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Platypod, Episódio Seis: Uma Antropologia Sobre Sistemas de Recomendação Algorítmica

Baixe a transcrição desta entrevista (em inglês).

Na manhã de sexta-feira, 10 de março, Nick e eu nos encontramos via Zoom para trocar umas ideias sobre o seu novo livro Computing Taste: Algorithms and Makers of Music Recommendation, publicado em 2022 pela University of Chicago Press. Nesse encontro, gravamos um episódio para o podcast Playpod, que está disponível acima, e em outros tocadores de podcast.

Imagem por Christina Agapakis.

Um pouco sobre o autor

Nick Seaver é um antropólogo que estuda como as pessoas usam a tecnologia para entender e se relacionar com artefatos culturais. Ele leciona no Departamento de Antropologia da Tufts University, onde também dirige o programa de “Ciência, Tecnologia e Sociedade.” Seu primeiro livro se chama Computing Taste: Algorithms and Makers of Music Recommendation. Nick publicou vários artigos em revistas acadêmicas sobre tópicos relacionados a estudos críticos de algoritmos, bem como histórias etnográficas e métodos de pesquisa antropológica. Uma lista mais abrangente de seu trabalho acadêmico pode ser encontrada neste link.

Um pouco sobre o livro

Computing Taste é uma etnografia sobre as pessoas que criam e desenvolvem sistemas de recomendação de música e como elas pensam sobre seu trabalho. O livro tem 216 páginas, divididas em seis capítulos, além de prólogo, introdução e epílogo. O livro deriva da tese de doutorado de Nick, pelo departamento de antropologia da Universidade da Califórnia em Irvine. Cada capítulo de Computing Taste oferece uma história densa, bem pesquisada e contada de como arranjos sócio-técnicos que dão vida a sistemas de recomendação de música se materializam na prática. Cada capítulo do livro desafia narrativas convencionais sobre sistemas algorítmicos e seus impactos “malignos” na sociedade. De certa forma, o livro de Nick surpreende o leitor ao contar histórias que não esperamos ouvir.

Computing Taste: Algorithms and the Maker of Music Recommendation Systems

Em nossa entrevista, abordamos vários tópicos, incluindo como o trabalho de Nick foi recebido pela comunidade antropológica e alguns dos principais temas do livro. Como uma estudante de pós-graduação, li o livro com questões de “como conduzir minha própria pesquisa” em mente.  Encorajo o leitor a ler o livro em sua totalidade e a entrar em contato com a riqueza de informações e análises antropológicas brilhantemente conduzidas por Nick.

Sobre as caixas-pretas como regimes jurídicos

Nick oferece uma crítica sofisticada as metáforas utilizadas para descrever dados e sistemas algorítmicos. Ele é cauteloso e em nenhum momento chega a conclusões ou julgamentos precipitados que apenas definem algoritmos como “bons” ou “maus,” o que acaba por excluir o sócio desses sistemas técnicos. Nick lembra ao leitor que as caixas-pretas são constituídas por regimes jurídicos, uma perspectiva que ele desenvolve a partir do livro de Frank Pasquale, Black Box Society. De acordo com Nick, essas caixas secretas são a história da propriedade intelectual, e estão relacionadas aos segredos da empresa. A caixa-preta, como metáfora, torna-se um problema porque nos faz querer saber o que há dentro dela. Nick acredita que a figura da caixa preta seja prejudicial para a forma como pensamos sobre esses sistemas, pois nos encoraja a pensar sobre eles como entidades discretas ou individuais que existem por si mesmas no mundo. Essa metáfora pode nos levar a pensar que as caixas pretas podem ser abertas, o que não é verdade, pois elas estão sendo constantemente alteradas, atualizadas, treinadas com novos conjuntos de dados e adaptando-se aos comportamentos dos usuários. Isso torna o livro de Nick ainda mais fascinante, pois desenvolvedores por trás dos algoritmos de recomendação de música estão tentando capturar, medir, reter e trabalhar com esses sistemas, que estão sempre em fluxo.

Sobre acesso

Como leitora, notei como em seu livro Nick questiona a ideia convencional de acesso adotada em grande parte dos estudos antropológicos pois ela não se aplica bem aos estudos sobre objetos limitados por “regimes legais.” Nick menciona no livro que “o acesso não é um evento.” Ao discutir outras questões relacionadas à acesso (acesso a informações, pessoas e recursos durante o trabalho de campo), Nick mencionou ter uma relação complicada com essa ideia. “Não há como simplesmente aparecer no Facebook ou em outras empresas de tecnologia e apenas fazer trabalho de campo dentro da empresa.” Nem todos os antropólogos podem chegar e fazer pesquisa em todos os lugares, disse Nick, e o que podemos fazer neste caso? Nick em sua resposta sugeriu que talvez precisemos mudar nossas perguntas e métodos e, mais importante, o que acesso significa. Como antropólogos de empresas de tecnologia, e mais especificamente no caso de Nick, como antropólogo dessas empresas e startups, estamos fazendo algo mais do que apenas ir a campo, encontrar algo que todos saibam e contar a outras pessoas sobre isso. “Meu trabalho não é entrar em uma empresa, descobrir como o algoritmo funciona, descrevê-lo e, em seguida, ser como que um agente de espionagem corporativa trazendo um segredo à tona,” disse ele. Isso atrapalha, talvez, o que concebemos como o ponto da antropologia. Seria o objetivo da antropologia apenas compartilhar segredos? Nick responde a essa pergunta de forma negativa, especialmente porque esses sistemas sociotécnicos são protegidos por regimes legais e também porque eles simplesmente não existem no mundo como entidades discretas, explica ele.

E se você está estudando algoritmos, não há algoritmo. Eles [a empresa] não têm um algoritmo sentado à mesa, em algum lugar, esperando para ser descoberto. [O algoritmo] Não é nada que você possa ver. E então, realmente, é esse processo contínuo conforme você acessa esse tipo de objeto. É um relacionamento. É uma negociação. É um esforço contínuo.

Nick descreveu que etnografia também é história e, sob essa luz, uma etnografia deve narrar o esforço contínuo de se obter acesso ao trabalho de campo e também de contar histórias que as pessoas podem não estar esperando ouvir. Ao todo, ele se afasta de uma visão essencializada do trabalho de campo e fala sobre como partes de seu trabalho etnográfico envolveu conhecer pessoas em academias de escalada, salas de espera, conferências e escritórios, bem como assistir a vídeos no Youtube. Ele também está ciente de sua posicionalidade e observa que compartilha alguns marcadores de identidade com os desenvolvedores de sistemas de recomendação algorítmica de música—predominantemente homens brancos, americanos e na casa dos trinta—e como isso impactou sua entrada em campo.

Crítica aos sistemas sociotécnicos

Na reta final de nossa conversa, Nick mencionou que há muito trabalho a ser feito em termos de uma antropologia “desses sistemas”—sistemas algorítmicos e seus desenvolvedores que tentam capturar, medir, reter a atenção dos usuários, etc. Ele destaca como seu livro não é explicitamente crítico o suficiente sobre os sistemas que ele descreve, e como ele se preocupa com o fato de o livro “parecer muito bondoso e condizente.” Isso dentro de um contexto de discurso público sobre sistemas de recomendação que no momento tende a retratá-los como bons ou maus.

Como o livro de Nick decorre de um momento de sua carreira em que ele era um antropólogo em formação, ele menciona que acabou percebendo que seu objetivo como antropólogo era tentar dar uma representação adequada do que estava acontecendo nesses sistemas sociotécnicos por trás dos sistemas de recomendação de música. Ele combinou essa ideia com “um pouco do nosso tipo de virtudes antropológicas clássicas de caridade interpretativa.” Sob essa luz, seu livro é rico não apenas em descrições etnográficas e histórias vividas no campo, mas também em interpretações antropológicas, e o leitor pode esperar encontrar Bourdieu, Lévi-Strauss, Alberto Cosín Jiménez, e muitos outros teóricos no livro. Durante nossa entrevista, Nick observou que seu livro é sobre “desenvolvedores de sistemas de recomendação de música baseados principalmente nos Estados Unidos,” e as descobertas não podem ser universalizadas. Ainda assim, ele espera que novos trabalhos etnográficos sobre serviços de streaming foquem em sistemas não hegemônicos como os EUA, adicionando camadas de especificidade técnica e cultural.

Ao encerrarmos a entrevista, Nick observou como fazer parte da comunidade mais ampla do CASTAC significa estar em contato com pesquisadores brilhantes e suas pesquisas.

Durante nossa entrevista, contei a Nick sobre as impressões que seu livro deixou em mim como leitora. Mas não foi só o livro que me impressionou positivamente. Foi a primeira vez que gravei uma entrevista para um podcast. Minha ansiedade e insegurança são perceptíveis na gravação, assim como meu sotaque, já que o inglês não é minha primeira língua. Mas Nick foi extremamente paciente e gentil. Agradeço a ele pela conversa perspicaz e calorosa, e aos meus colegas da Platypus pela oportunidade de produzir este episódio do Platypod. Eu encorajo você a ouvir o episódio inteiro e nos informar se você tem algum autor ou livro sobre o qual gostaria que gravássemos um episódio.

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